Exemplo de banalidade ou maneira de assegurar a legibilidade de um enunciado? A relação dual entre as expressões prontas e a língua não esconde o fascínio que clichês exercem, seja na linguagem falada, na escrita ou na literatura.
Um caso de amor e ódio. A maioria dos estudiosos evita os clichês como o diabo foge da cruz, mas as frases feitas dão o tom do uso da língua. Apesar de serem verdadeiras pedras no sapato dos linguistas, chavões são uma faca de dois gumes para quem trabalha com linguagem.
O parágrafo anterior, repleto de clichês, exemplifica a dualidade mantida pelos chavões na linguagem: são exemplos de banalidade e barreiras para a originalidade, ao mesmo tempo em que representam uma maneira fácil de entendimento e de assegurar a legibilidade dos enunciados.
Os clichês estão marcados na história da linguagem como parte técnica da retórica.
Em defesa do clichê
A concepção de que "clichê bom é clichê morto" não é compartilhada, no entanto, por todos os estudiosos modernos. Christopher Ricks, conhecido crítico literário e professor universitário britânico, considera que clichês podem ser estimulantes e pondera: "Os clichês convidam-nos a não pensar - mas podemos sempre declinar o convite, e o que mais pode convidar um indivíduo pensante a pensar do que este convite?" Ele sustenta que nenhum escritor pode se permitir desdenhar dos clichês: "os clichês estão em todos os lugares na linguagem do dia-a-dia, e você simplesmente não vai conseguir se isolar deles." Ricks propõe que, em vez de banir os clichês ou evitá-los por serem malignos, o interessante seria usá-los de forma imaginativa para criar possibilidades benéficas para e com eles.
O francês Michael Riffaterre é outro defensor das frases prét-à-porter. No ensaio "Função do Clichê na Prosa Literária", ele destaca que "o clichê apresenta o paradoxo de ser um agente de expressividade devido justamente às características que a crítica considera como defeito" e observa que o clichê pode ser batido sem deixar de ser eficaz. "Não se deve confundir banalidade com desgaste. Se fosse desgastado, o clichê perderia tanto a sua clientela como os seus inimigos, o que não é o caso. Ele não passa despercebido, pelo contrário, chama sempre a atenção sobre si."
O clichê metafórico e o clichê fraseológico
Em seu "Comunicação em Prosa Moderna", da editora FGV, Othon M. Garcia distingue os tipos de clichês:
Não se deve confundir o clichê metafórico (metáfora surrada do tipo "O Sol é o astro-rei" ou "a Lua é a rainha da noite") e o fraseológico (do tipo "virtuoso prelado") com a frase-feita (locuções, ditados, rifões) de genuíno sabor popular e tradicional, do tipo "alhos e bugalhos", "onde a porca torce o rabo", "coisas do arco-da-velha", "falar com os seus botões", "camisa de onze varas", "cavalo de batalha", "cobras e lagartos", "fôlego de sete gatos" e muitas outras expressões populares de origem desconhecida ou hermética, em que se refletem a alma, a filosofia e os costumes populares.
Fonte: Revista Língua Portuguesa
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