sábado, dezembro 19, 2009

Quadrilha / Carlos Drummond de Andrade


Quadrilha
Composição: Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Todo o Sentimento








Todo o Sentimento
Maria Bethânia
Composição: Cristovão Bastos/ Chico Buarque



Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo
Da gente
Preciso conduzir
Um tempo de te amar
Te amando devagar
E urgentemente
Preciso descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez
Prometo te querer
Até o amor cair
Doente
Doente
Prefiro então partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente
Depois de te perder
Te encontro com certeza
Talvez no tempo da delicadeza
Onde não diremos nada
Nada aconteceu
Apenas seguirei como encantado
Ao lado teu

Sobre todas as coisas


Para um dia de memória e oração:

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado
desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus
Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador
Ou será que o deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus
Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

(Edu Lobo e Chico Buarque)

Seu Pensamento / Adriana Calcanhoto

Não desisto da idéia...



A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento
Terá os pés na pedra
ou vento no cabelo?

A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
ou no estacionamento?

Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?

A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
em pleno apartamento?

A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?

Onde longe Leme Luanda
ou na minha cama?

sexta-feira, dezembro 18, 2009

Grande Sertão: Veredas

"(...) Mas eu não tinha raiva desse seô Habão, juro ao senhor, que ele não era antipático. Eu tinha era um começo de certo desgosto, que seria meditável. — 'Para o ano, se Deus quiser, boto grandes roças no Valado e aqui... O feijão, milho, muito arroz...' Ele repisava, que o que se podia estender em lavoura, lá, era um desadoro. E espiou para mim, com aqueles olhos baçosos — aí eu entendi a gana dele: que nós, Zé Bebelo, eu, Diadorim, e todos os companheiros, que a gente pudesse dar os braços, para capinar e roçar, e colher, feito jornaleiros dele. Até enjoei. Os jagunços destemidos, arriscando a vida, que nós éramos: e aquele seô Habão olhava feito o jacaré no juncal: cobiçava a gente para escravos! Nem sei se ele sabia que queria isso. Acho que a idéia dele não arrumava o assunto assim à certa, mas a natureza dele queria, precisava de todos como escravos. Ainda confesso declarado ao senhor: eu não tivesse raiva daquele seô Habão, porque ele era um homem que estava de mim em tão grandes distâncias... "

João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. José Olympio, 1956.

L'etranger / O Estrangeiro (Albert Camus)

"J'ai souvent pensé que si l'on m'avait fait vivre dans le tronc d'un arbre sec, sans autre occupation que de regarder la fleur du ciel au dessus de ma tête, je m'y serais peu à peu habitué."

(Pensei muitas vezes que se me obrigassem a viver dentro de um tronco seco de árvore, sem outra ocupação além de contemplar a flor do céu acima de minha cabeça, eu teria me habituado aos poucos).

Dos Cílios

Os cílios agarraram-se às pálpebras quando tentei fechar meus olhos. Mas você assoprou e todos voaram. De novo nasceram e de novo voaram. Não faça mais isso! Quem vai cortar a lágrima em fatias no dia em que você for embora?

Escrito por Rita Apoena
encontrar auroras e possibilidades douradas, amar uma alma rica e ousada: todos precisam disso ao menos uma vez na vida.
(Irvin yalom)
Pensar letras
sentir palavras
a alma cheia de dedos.
(Alice Ruiz)
Meu vestido é cheio de segredos. A cada botão que você abre, sinto uma rosa desabrochar.
(Rita Apoena)

Mudanças

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares ...

É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...

Fernando Pessoa

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Multiplicando Pães


Crise, palavra pessimista, foi trocada nos anos setenta pelo significado chinês de “oportunidade”, palavra otimista. No entanto, o pessimismo e o otimismo são lados de uma mesma moeda: o desejo de controle. O que não queremos aceitar é que uma crise é convulsão, é involuntária, é fronteira entre nossa atitude e a vida.

A crise é percebida como escassez e se dá mais na relação com a vida do que na realidade. Esquecemos que a vida é em si abundância, um fenômeno para além do descrito por Darwin. Não é a competição que faz a vida, é o compartilhar; não é a escassez que determina o vencedor, mas a capacidade de se relacionar com o meio ambiente de uma forma abundante.

A ecologia, por exemplo, martela a idéia da escassez. Verdade que a mentalidade da falta favorece a contenção, mas também o desejo por acumulo, a competição e o foco na míngua. A penúria é sempre localizada na insuficiência do recurso e nunca na relação de insatisfação. E sobre isso muito tem a dizer o profeta bíblico. Há 25 séculos disseram que a grande evolução espiritual seria de ordem econômica e ética. E se daria na mudança de foco da escassez para a abundância. Não seria a oferta e a demanda que ditaria os valores, mas os valores internos que regulariam a relação com a oferta e a demanda do momento. E eles nos ofereceram um “case”, um modelo experimental:
O profeta Eliseu se viu com cem homens tendo apenas vinte pães. Seu servo disse: “Como hei de pôr isto diante de cem homens? E disse ele: Dá para que comam; comerão, e sobejará”. Comeram e sobrou.

O racionalista lê esta passagem como piedosa desprovida de realidade. Já o crente a lê como uma prova de milagre, de que a realidade é moldável à moral e às expectativas de bondade. Ambas atendem ao desejo de controle e não abarcam o sentido do profeta. O profeta não produz mais pães. Só existem vinte. O que o ele promove é uma relação distinta com a vida. Para que vinte pães alimentem cem homens é necessária uma nova relação com estes recursos. Se o seu foco for a escassez irão matar uns aos outros. O que eles precisam é descobrir alternativas que resgatem a abundância. O profeta não interfere na realidade de oferta e demanda, mas estabelece uma nova relação com o recurso, uma nova economia. A fartura dessa nova relação se dá em ativos de natureza diferente. Há ativos do tipo “soma-zero” que não se reduzem e escasseiam na divisão. Óbvio isto não ocorre com a riqueza ou o poder, mas sim com o conhecimento, a confiança, a amizade, a gentileza e o amor. Esses artigos não rareiam com a divisão, ao contrário, se multiplicam. Só fazendo uso deste tipo de comodities vinte pães podem satisfazer e sobrar para cem homens. Somente elas poderão incluir uma nova metade esquecida da população mundial que quer desfrutar de abundância já que isso não se fará pelos recursos, mas por uma nova relação com a vida.

Nossa relação é equivocada. Olhamos o espaço e o percebemos escasso. A terra não é o lote, o hectare; mas a relação com a vida. Olhamos nosso tempo e o percebemos escasso. Os momentos não são as horas, os dias, a longevidade; mas as escolhas de cada instante. Não há escassez na interação que o espaço promove e não há escassez nas escolhas que o tempo permite.

As crises são advertências daquilo que é, mas não queremos aceitar. Não se trata de conformismo, mas economia. A multiplicação dos pães não virá nem por ilusão ou hiper-realismo. Estará sempre disponível à espécie que souber sair da zona de conforto e se guiar pela abundância, que é por onde a vida passa.



Artigo publicado em:
O GLOBO - 1º CADERNO - OPINIÃO - 27 de setembro de 2008



Rabino Nilton Bonder

Amyr Klink

"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV.

Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto.

Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver"

(trecho do livro "Mar sem Fim")

Mário Quintana


"A gente sempre deve sair à rua
como quem foge de casa,
como se estivessem abertos diante de nós
todos os caminhos do mundo"

Guimarães Rosa

"A vida só quer uma coisa
da gente: CORAGEM"

Leonardo Da Vinci

"E uma vez descoberto o vôo,
estarás condenado a caminhar
olhando para o céu,
pois terás descoberto
porque os pássaros cantam"

Chris McCandless

"Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria promover uma mudança radical em seu estilo de vida e fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar.

Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso parece dar paz de espírito, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito do homem que um futuro seguro.

A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências [..]

Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principalmente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo ou em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de dar as costas para nosso estilo de vida habitual e nos comprometer com um modo de vida não-convencional.

O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está simplesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é com você mesmo [..]

Espero que na próxima vez que eu o encontrar você seja um homem novo, com uma grande quantidade de novas experiências na bagagem. Não hesite nem se permita dar desculpas. Simplesmente saia e faça. Simplesmente saia e faça. Você ficará muito, muito contente por ter feito."


(carta para Ron Franz, retirado do livro "Na Natureza Selvagem")

Trabalho ou Diversão? Ambos - François Chateaubriand

Um mestre na arte de viver não possui distinção clara entre seu trabalho e sua diversão; seu expediente e seu ócio, sua mente e seu corpo; sua educação e sua recreação.

Ele apenas busca sua visão de excelência em tudo que faz, e deixa os outros determinarem quando está trabalhando ou se divertindo. Para si, parece sempre estar fazendo ambos.

(François-René Chateaubriand)

A cidade é nosso meio ambiente

Thays Prado - Edição: Mônica Nunes

Os arquitetos Sylvio Podestá e Jaime Lerner, o diretor do Instituto Cidade Jardim, Sérgio Rocha, e o artista Jean Paul Ganem, mostram que, com um pouco mais de verde e, especialmente, de respeito com os de nossa espécie, poderemos voltar a viver de forma mais integrada com a natureza, sentir que também fazemos parte do meio ambiente, e que as cidades se tornaram, há muito tempo, nosso habitat natural.
A natureza está distante de nós, especialmente nas grandes cidades, em que, muitas vezes, ela se resume a um vasinho de planta esquecido na área de serviço ou a um cachorro que levamos duas vezes ao dia para passear – no máximo. Quando precisamos de um alívio em relação ao tumulto urbano, passamos um tempo no parque – só não dá para ir embora muito tarde! é uma questão de segurança… – ou vamos para a praia, que, aliás, nos parece sempre cheia demais.

Preocupados em sobreviver na “lei da selva” dos seres humanos, nos esquecemos de que também somos natureza, de que todas as pessoas fazem parte da mesma espécie, não importa quais sejam a etnia, a língua, a orientação sexual, a profissão, os hábitos de vida ou quanto dinheiro têm no bolso ou no banco. No reino da individualidade, onde o mais forte prevalece por questões que vão muito além da busca pela sobrevivência, sequer nos damos conta de que as cidades onde moramos são o nosso meio ambiente e que podemos ter uma convivência mais harmônica e integrada se cuidarmos delas como nosso lar.



Página fonte: Planeta Sustentável

Nada como um bom amigo

A rede social do indivíduo está fortemente ancorada em seu funcionamento cerebral. Amigos propiciam bem-estar, asseguram saúde psíquica e prolongam a vida

por Klaus Manhart

Amigo é a melhor coisa do mundo. Nada mais verdadeiro, confirmam os psicólogos. Segundo estudos recentes, relações estáveis entre pessoas estimulam a saúde mental e física e até mesmo prolongam a vida.

Contatos sociais parecem ter colaborado para que, na evolução, nosso cérebro se transformasse em órgão de alta capacidade. Robin Dunbar, da Universidade de Liverpool, já havia chegado a essa conclusão há alguns anos. O antropólogo e psicólogo evolucionista percebera que, nos macacos, havia relação entre o tamanho do cérebro e o número de integrantes do grupo: quanto mais elementos tivesse o bando de uma espécie, mais volumoso seria o córtex dos animais.

A partir daí, Dunbar criou uma hipótese sobre o "social brain" (cérebro social), segundo a qual o desenvolvimento das estruturas sociais teria impulsionado a evolução do cérebro. Pois, de acordo com ele, quanto maior o grupo, tanto mais informações sobre os outros indivíduos têm de ser processadas pelo cérebro para que o convívio social possa funcionar. Sendo assim, porém, a capacidade de processamento do cérebro também limitaria o tamanho de nosso círculo social - segundo Dunbar, aproximadamente 150 pessoas.

Há milhares de anos esse número está presente em grupos humanos, das sociedades de caçadores e coletores às vilas de agricultores da Indonésia e da América do Sul. O mesmo vale para os militares: no exército romano, as unidades básicas eram os chamados "manípulos", com aproximadamente 150 soldados; e o tamanho das companhias atuais varia de 120 a 150 homens. Nas indústrias modernas também se verifica que uma estrutura organizacional relativamente informal só funciona se tiver, no máximo, 150 trabalhadores. Se o número for maior, é necessária uma hierarquia mais severa, pois, caso contrário, sabe-se, por experiência, que a produtividade total cai: a pressão do grupo como incentivo à produção individual deixa de funcionar devido ao maior anonimato, e, no lugar dela, surgem o controle e as orientações formais...
Qual será a base desse efeito de longevidade? Aparentemente não é apenas o apoio mútuo entre conhecidos que faz diferença, mas o fato de ele ser voluntário, ocorrer por prazer e não apenas por obrigação ou convenção. Decisivo, portanto, é o fato de as pessoas poderem escolher os seus amigos (ao contrário do que acontece com os indivíduos da própria família).

Manter contato com pessoas que nos consideram importantes e nos dão valor, segundo os pesquisadores australianos, tem efeito positivo sobre a nossa saúde tanto física quanto mental: o stress e tendências depressivas são reduzidos e comportamentos relevantes para a saúde - como o mau costume de beber ou fumar - sofrem influências benéficas. Principalmente em tempos de crise, os amigos podem melhorar o humor e a auto-estima, assim como sugerir estratégias para a resolução de problemas...Quem tem bons amigos e conhecidos, portanto, se diverte com mais freqüência e aumenta suas chances de uma vida longa. Motivo suficiente para cultivar as amizades - e quem sabe até mesmo reativar alguns contatos esquecidos do tempo da adolescência e da faculdade.


Klaus Manhart é filósofo e cientista social.

Página fonte: Revista Mente e Cérebro

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector



Das Vantagens de ser Bobo
O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo.
O bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: "Estou fazendo, estou pensando”.
Ser bobo às vezes oferece um mundo de saída porque os espertos só se lembram de sair por meio da esperteza, e o bobo tem originalidade, espontaneamente lhe vem a idéia.
O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não vêem. Os espertos estão sempre tão atentos às espertezas alheias que se descontraem diante dos bobos, e estes os vêem como simples pessoas humanas.
O bobo ganha utilidade e sabedoria para viver.
O bobo parece nunca ter tido vez. No entanto, muitas vezes, o bobo é um Dostoievski.
Há desvantagem, obviamente. Uma boba, por exemplo, confiou na palavra de um desconhecido para a compra de um ar refrigerado de segunda mão: ele disse que o aparelho era novo, praticamente sem uso porque se mudara para a Gávea onde é fresco. Vai a boba e compra o aparelho sem vê-lo sequer.
Resultado: não funciona.
Chamado um técnico, a opinião deste era que o aparelho estava tão estragado que o concerto seria caríssimo: mais vale comprar outro.
Mas, em contrapartida, a vantagem de ser bobo é ter boa-fé, não desconfiar, e, portanto estar tranqüilo.
Enquanto o esperto não dorme à noite com medo de ser ludibriado. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu.
Aviso: não confundir bobos com burros.
Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a célebre frase: "Até tu, Brutus?"
Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!
Os bobos, com todas as suas palhaçadas, devem estar todos no céu.
Se Cristo tivesse sido esperto não teria morrido na cruz.
O bobo é sempre tão simpático que há espertos que se fazem passar por bobos.
Os espertos ganham dos outros. Em compensação, os bobos ganham a vida. Bem-aventurados os bobos porque sabem sem que ninguém desconfie. Aliás, não se importam que saibam que eles sabem.
Há lugares que facilitam mais as pessoas serem bobas (não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil). Minas Gerais, por exemplo, facilita ser bobo. Ah, quantos perdem por não nascer em Minas!
Bobo é Chagall, que põe vaca no espaço, voando por cima das casas.
É quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca.
É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.

Clarice Lispector

Bethania - Poema do Menino Jesus - Fernando Pessoa





Poema Do Menino Jesus
Maria Bethânia
Composição: Fernando Pessoa

Num meio-dia de fim de primavera eu tive um sonho como
uma fotografia: eu vi Jesus Cristo descer à Terra.
Ele veio pela encosta de um monte, mas era outra vez
menino, a correr e a rolar-se pela erva
A arrancar flores para deitar fora, e a rir de modo a
ouvir-se de longe.
Ele tinha fugido do céu. Era nosso demais pra
fingir-se de Segunda pessoa da Trindade.
Um dia que DEUS estava dormindo e o Espírito Santo
andava a voar, Ele foi até a caixa dos milagres e
roubou três.
Com o primeiro Ele fez com que ninguém soubesse que
Ele tinha fugido; com o segundo Ele se criou
eternamente humano e menino; e com o terceiro Ele
criou um Cristo eternamente na cruz e deixou-o pregado
na cruz que há no céu e serve de modelo às outras.
Depois Ele fugiu para o Sol e desceu pelo primeiro
raio que apanhou.
Hoje Ele vive na minha aldeia, comigo. É uma criança
bonita, de riso natural.
Limpa o nariz com o braço direito, chapinha nas poças
d'água, colhe as flores, gosta delas, esquece.
Atira pedras aos burros, colhe as frutas nos pomares,
e foge a chorar e a gritar dos cães.
Só porque sabe que elas não gostam, e toda gente acha
graça, Ele corre atrás das raparigas que levam as
bilhas na cabeça e levanta-lhes a saia.
A mim, Ele me ensinou tudo. Ele me ensinou a olhar
para as coisas. Ele me aponta todas as cores que há
nas flores e me mostra como as pedras são engraçadas
quando a gente as tem na mão e olha devagar para
elas.
Damo-nos tão bem um com o outro na companhia de tudo
que nunca pensamos um no outro. Vivemos juntos os dois
com um acordo íntimo, como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer nós brincamos as cinco pedrinhas no
degrau da porta de casa. Graves, como convém a um DEUS
e a um poeta. Como se cada pedra fosse todo o Universo
e fosse por isso um perigo muito grande deixá-la cair
no chão.
Depois eu lhe conto histórias das coisas só dos
homens. E Ele sorri, porque tudo é incrível. Ele ri
dos reis e dos que não são reis. E tem pena de ouvir
falar das guerras e dos comércios.
Depois Ele adormece e eu o levo no colo para dentro da
minha casa, deito-o na minha cama, despindo-o
lentamente, como seguindo um ritual todo humano e todo
materno até Ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma. Às vezes Ele acorda de
noite, brinca com meus sonhos. Vira uns de pena pro ar,
põe uns por cima dos outros, e bate palmas, sozinho,
sorrindo para os meus sonhos.
Quando eu morrer, Filhinho, seja eu a criança, o mais
pequeno, pega-me Tu ao colo, leva-me para dentro a Tua
casa. Deita-me na tua cama. Despe o meu ser, cansado e
humano. Conta-me histórias caso eu acorde para eu
tornar a adormecer, e dá-me sonhos Teus para eu
brincar.

Fernando Pessoa - Poema em linha reta






Poema em linha reta

Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Os versos acima, escritos com o heterônimo de Álvaro de Campos, foram extraídos do livro "Fernando Pessoa - Obra Poética", Cia. José Aguilar Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 418.

MARIA BETHANIA - MONÓLOGO DE ORFEU - Tom Jobim e Vinícius de Moraes

Simplesmente assim...




Monólogo de Orfeu
Vinicius de Moraes
Composição: Vinicius de Moraes / Antonio Carlos Jobim

Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.

E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.

domingo, dezembro 13, 2009

Oswaldo Montenegro - Metade

Se você tem sentimentos, vai adorar!!!!!!!

domingo, dezembro 06, 2009

Resposta ao Tempo - Nana Caymmi


Tempo... Tempo...
O Momento!!!







Resposta ao Tempo
Nana Caymmi
Composição: Aldir Blanc/Cristovão Bastos

Batidas na porta da frente
É o tempo
Eu bebo um pouquinho
Prá ter argumento

Mas fico sem jeito
Calado, ele ri
Ele zomba
Do quanto eu chorei
Porque sabe passar
E eu não sei

Num dia azul de verão
Sinto o vento
Há fôlhas no meu coração
É o tempo

Recordo um amor que perdi
Ele ri
Diz que somos iguais
Se eu notei
Pois não sabe ficar
E eu também não sei

E gira em volta de mim
Sussurra que apaga os caminhos
Que amores terminam no escuro
Sozinhos

Respondo que ele aprisiona
Eu liberto
Que ele adormece as paixões
Eu desperto

E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver

No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer


A SUA / Marisa Monte

Música Perfeita
Dedico a você Cariño!!




A Sua
Marisa Monte
Composição: Marisa Monte
Eu só quero que você saiba
Que estou pensando em você
Agora e sempre mais
Eu só quero que você ouça
A canção que eu fiz pra dizer
Que eu te adoro cada vez mais
E que eu te quero sempre em paz

Tô com sintomas de saudade
Tô pensando em você
E como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem

Eu só quero que você caiba
No meu colo
Porque eu te adoro cada vez mais
Eu só quero que você siga
Para onde quiser
Que eu não vou ficar muito atrás

Tô com sintomas de saudade
Tô pensando em você
E como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem

Eu só quero que você saiba
Que estou pensando em você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem
E que eu te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem

terça-feira, dezembro 01, 2009

1º DE DEZEMBRO: DIA MUNDIAL DE LUTA CONTRA AIDS





O símbolo da luta contra a Aids é um fitinha vermelha retorcida, formando um pequeno “A”. A idéia partiu do grupo Visual Aids, de Nova York, em 1991. Um dos artistas do grupo sugeriu a criação de um símbolo único, de domínio público, que exprimisse a solidariedade em relação aos portadores do HIV. Nos EUA, as fitas amarelas já têm a conotação de dar as boas vindas aos soldados que voltam para casa. Trocou-se o amarelo pelo vermelho, além do desenho mais funcional.

Quando no início de 1991 o ator Jeremy Irons recebeu o prêmio “Tony Awards” com uma fita vermelha presa à camisa, o sucesso foi imediato e duradouro. Em 1992 nascia em Londres a Red Ribbon International, entidade não governamental responsável pelo controle dos usos (e abusos) do símbolo internacional de luta contra a Aids. A Red Ribbon não quer ver o símbolo sendo usado por quem não tem nada a ver com a luta contra a Aids.

Olhem essas duas campanhas contra a AIDS. São desenhos animados um dirigido ao público gay e outro aos heteros.



domingo, novembro 08, 2009

"Entusiasmo é o Requisito", Albert Einstein


"Nós agimos como se conforto e luxo fossem os principais requisitos da vida,

quando tudo que precisamos para sermos felizes é de algo que nos traga entusiasmo"

(Albert Einstein)

"Chama Interior", Robin Sharma

"Sucesso não vem para os mais inteligentes, talentosos ou fortes. O mundo está cheio de gênios que não fizeram nada com seu talento.

Sucesso sustentável vem para aqueles que possuem a maior chama interior. Desejo inflamado, paixão irracional e crença massiva na importância de um grande sonho."

(Robin Sharma)
"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor.Que tem que ser vivido até a última gota.Sem nenhum medo. Não mata. " [ Clarice Lispector ]

quarta-feira, novembro 04, 2009

Playing for change

Stand by me

executada por músicos ao redor do mundo


Um lugar nesse jardim

As realidades da alma,
por não serem visíveis e palpáveis,
não deixam de ser realidades.
Victor Hugo, em Os Miseráveis


Por que é tão assustador entrar em contato com o sentimento? Dá paúra! Medo de cair num abismo sem fim. De ser despejado por uma espaçonave desconhecida no infinito do espaço cósmico. Muito mais fácil é usar a razão, explicar com o pensamento, com a lógica o que se sente. Mas será possível funcionar assim: será que a razão pode traduzir realmente o que se sente?
Tenho andado meio sem inspiração para escrever. Só observando… Nesta época do ano, quase todas as plantas do meu quintal começam a perder o viço, as folhas caem. Algumas ficam completamente secas. Em compensação, tem sempre umas duas ou três que têm o ciclo diferente, e destoam das outras. Agora, que quase todas estão ficando “caidinhas” elas começam a ficar radiantes. Ramos novos, folhas em tom verdinho claro, botões que daqui a pouco serão flores.
Se eu tivesse que escolher um lugar neste jardim, hoje, ficaria com os que estão se recolhendo. Olhando para dentro de mim mesma.
Sendo um pouco mãe de mim mesma.
Acolhendo minhas vontades e caprichos. Sem culpa. É preciso ter muita coragem para escolher ficar na contra-mão. Muito mais aceito é quem segue o fluxo, quem se agride para cumprir as normas, “ficar bem na foto”. E se mata um pouco por dia. Um pouco a cada dia. O esquema é cruel.
Sem perceber me afasto de mim, com muito mais freqüência do que eu gostaria. Mas minha garra me permite dar meia volta e retomar o caminho de onde parei, assim que me dou conta do atalho errado em que me meti.
Já passei tempo demais ignorando as realidades da minha alma. Fugindo. Me obrigando a sentir aquilo que, na realidade, não sentia. Tentando não sentir aquilo que, na realidade, me consumia. Me negando a enxergar aquilo que, de fato, era óbvio e real.
O apego à razão, ao que é instituído, e ao que é lógico, pode turvar a visão, alterar a percepção e ser péssimo conselheiro.
As evidências que não evidenciam, por mais reais que possam parecer. As certezas que não se sustentam. E ainda reduzem. O desprezo pelo acaso. Tudo para evitar o contato com os sentimentos.
Que maravilha é a vida! Que maravilha poder mudar de opinião. De objetivo. Experimentar novas sensações. Quanto tempo perdi fugindo do que hoje é o que mais prezo: poder sentir. Perdi muito. Mas não me perdi de mim mesma. É bem verdade que foi por pouco…
Consegui me humanizar. Mas ainda hoje quando fico aflita tenho que resistir – muito! - para não procurar refúgio no intelecto, na razão. Sinto-me uma heroína quando mergulho no buraco negro das minhas emoções, e saio de lá mais forte, mais lúcida.
Sentimentos que aproximam ou afastam, não são visíveis nem palpáveis. E, por isso, muitas vezes ignorados. Inconscientemente ignorados.
Por exemplo, a avalanche de emoção num reencontro brindado com um abraço terno, suave e quente. As lembranças que, de repente, invadem tudo. Por que será que duas pessoas que não se vêem há anos, lembrariam das mesmas coisas, das mesmas situações? Uma determinada música executada exaustivamente, tanto quanto outras, foi o que ficou na memória da aluna e da professora, passados mais de vinte e três anos. Por que a mesma música? Por que assim, sem mais nem menos, de repente, alguém resolveu promover o reencontro da mestra com a discípula?
Como explicar o encontro de duas mulheres, hoje amigas, que se conheceram numa palestra em que ambas decidiram ir na última hora? Como explicar que essas mulheres que se trombaram sem querer, descobriram ter imensas afinidades e muitas vivências em comum?
Há explicação para as afinidades que descobrimos aqui, neste blog? Eu tinha muito amigos e não sabia disso… Como explicar a magia que se sente num lugar sagrado? Ou diante de uma obra de arte? Como explicar o arrebatamento diante de todos os mistérios?
Coisas que os nossos olhos, o nosso olhar não captam. Procurar uma explicação lógica para tudo isso? Poderia nos abater. Poderia nos constranger. Poderia nos desestruturar. E somos mestres em evitar, em empurrar para debaixo do tapete, tudo aquilo que pode nos levar ao sofrimento. Ao medo. Ao pânico. E, com isso, geramos desesperos, fobias, doenças.
Imagine um balão de gás - uma bexiga, para os paulistas -, cheio de água, sendo furado com uma agulha. Imaginaram? Que mistério pode haver nesse simples ato, para os nossos olhos tão acostumados a nos acostumar ao óbvio?
Pois vejam, então, os vídeos abaixo. Se alguém me dissesse que aquilo tudo acontece, acho que duvidaria com veemência. Mas acontece. Está lá. Nós é que não vemos.
Quantas serão as realidades, impossíveis de serem vistas apenas com os nossos olhos, que brincam conosco sem que sejamos sequer capazes de imaginá-las?

terça-feira, novembro 03, 2009

Alquimia

A alquimia é uma química oculta que visa dominar o que a matéria simboliza.

« Os elementos que compõem a matéria, existem não só como matéria, mas também como símbolo. »

A química oculta, ou alquimia, difere da química vulgar ou normal, apenas quanto à teoria da constituição da matéria; os processos de operação não diferem exteriormente, nem os aparelhos que se empregam. É o sentido, com que os aparelhos se empregam, e com que as operações são feitas, que estabelece a diferença entre a química e a alquimia.
A matéria do mundo físico é constituída de três modos, todos eles simultaneamente reais: só dois desses modos interessam a um nível conceitual diferente, e não é atingível por operações, aparelhos ou processos que sequer se parecem com os que se empregam em qualquer cousa que se chame «química» ou «física» «ocultas» ou não.
A matéria é na verdade, e como crêem o físico e o químico normais, constituída por um sistema de forças em equilíbrio instável, formando corpos dinâmicos a que se pode chamar «átomos» Porque isto é real, e a matéria, considerada fisicamente, é na verdade assim constituída, são possíveis as experiências e os resultados dos homens de ciência, e a matéria é manipulável por meios materiais, por processos apenas físicos ou químicos, e para fins tangíveis e imediatamente reais.
Mas, ao mesmo tempo, os elementos que compõem a matéria têm um outro sentido: existem não só como matéria, mas também como símbolo. Há, por exemplo, um ferro-matéria; há, porém, e ao mesmo tempo, o mesmo ferro, um ferro-símbolo. Cada elemento simboliza determinada linha de força supermaterial e pode, portanto, ser realizada sobre ele uma operação, ou acção, que o atinja e o altere, não só no que elemento, mas também no que símbolo. E, feita essa operação, o efeito produzido excede trancendentalmente o efeito material que fica visível, sensível, mensurável no vaso ou aparelho em que a experiência se realizou.
É esta a operação alquímica.
E isto no seu aspecto externo: porque, na sua realidade intima, é mais alguma cousa do que isto. Como o físico (incluindo no termo o químico também), ao operar materialmente sobre a matéria, visa a transformar a matéria e a dominá-la, para fins materiais; assim o alquímico, ao operar materialmente quanto aos processos mas transcendentemente quanto às operações, sobre a matéria, visa a transformar o que a matéria simboliza, e a dominar o que a matéria simboliza, para fins que não são materiais.
A semelhança, porém, pára aqui. O resultado da experiência física é um produto externo, com que o operador não tem nada, excepto vê-lo, ou ser dono dele, se o é. Mas na experiência alquímica a «força», que o corpo trabalhado simboliza, está em contacto directo com o espírito do operador, e não só do operador, como também de quantos conscientemente o auxiliam (embora sem conhecimento alquímico) na suas experiências. O resultado da experiência, portanto, afecta o operador e os seus «adjuntos» (como se diz) de uma forma diversa e diversamente importante.



s.d.
Fernando Pessoa: O Amor, A Morte, A Iniciação . Yvette K. Centeno. Lisboa. Regra do Jogo, 1985. - 125.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Salvador = Encanto


Nada se compara a Salvador e sua cultura. É tanta riqueza que dá até para esquecer a orlaSalvador tem seu lado Dorival Caymmi, dos pescadores e dos coqueiros. Tem a Salvador de Jorge Amado, do Rio Vermelho, do candomblé, da morosidade sensual. Tem a de Caetano e Gilberto Gil, a do pôr-do-sol no Porto da Barra. A de Ivete, Daniela e Margareth, em ritmo acelerado pela Ondina. Mas Salvador vai muito além dessas e outras dezenas de descrições: culturalmente, é a cidade mais intrigante do país.
A primeira capital do Brasil é a mais negra cidade fora da África: 74% da população declara-se de pele negra ou mestiça. A herança pode ser vista em todo lugar, na música, na comida, no candomblé, na capoeira - tudo condensado no Pelourinho, conjunto de construções dos séculos 17 e 18 da Cidade Alta. Restaurado há quase vinte anos, abriga lojas, centros culturais, cafés, restaurantes, ateliês e igrejas - entre elas, a Igreja de São Francisco, com seus 800 quilos de ouro. O Pelô lota às terças, dia de missa e do ensaio do Olodum, de outubro a março.
Na Cidade Baixa, 75 metros abaixo do Pelourinho, Salvador estica sua exuberância pela orla. Começa no Forte de Santo Antônio Além do Carmo, com a capoeira de João Pequeno, segue pelo Mercado Modelo, logo abaixo do Elevador Lacerda, depois pelo Porto da Barra, pelo Rio Vermelho dos pescadores e estica até Itapuã e a Abaeté. Só não espere grandes exuberâncias na paisagem natural: praia boa para banho só ao norte, a partir do Flamengo. Mas há tanto a se ver e fazer na capital baiana que dá até para se esquecer desse mero detalhe.

quinta-feira, agosto 06, 2009

O papel do hormônio nos relacionamentos femininos

A progesterona, cujos níveis sanguíneos oscilam ao longo do ciclo menstrual, parece ter um papel importante nas relações afetivas, pelo menos para mulheres (embora os homens também tenham pequenas quantidades desse hormônio feminino). É o que aponta uma pesquisa realizada na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. O estudo analisou a concentração de progesterona na saliva de 160 universitárias, sendo que metade delas participou de tarefas em dupla, destinadas a incentivar a proximidade afetiva. As demais voluntárias receberam a incumbência de realizar a tarefa neutra do ponto de vista da interação social. Após 20 minutos as participantes enfrentaram o mesmo parceiro num jogo de cartas computadorizado, ocasião em que os cientistas coletaram amostras de saliva, a fim de medir, além da progesterona, também o cortisol, conhecido hormônio do stress.

Os resultados, publicados na revista Hormones and Behavior, mostram que as jovens do primeiro grupo apresentaram aumento da concentração do hormônio feminino, enquanto os níveis de cortisol seguiram inalterados. No segundo grupo não foram detectadas mudanças em nenhuma das jovens. Para os autores, essa é uma evidência de que a progesterona, além de sua conhecida função no ciclo reprodutivo da mulher, também faz parte do sistema neuroendócrino que regula o comportamento social humano.


Fonte: Revista Mente e Cerebro

O que há com nomes em latim? O talento especial por trás das espécies e gêneros

FOTOGRAFIA DE FLYNN LARSEN; ILUSTRAÇÃO DE MATT COLLINS

por Steve Mirsky

O papa-léguas é classificado como Geococcyx californianus. O menor, como Geococcyx velox. E aquele mais familiar, do desenho animado (bip, bip), foi designado em ocasiões diferentes como Accelerati incredibilus, Velocitus tremenjus, Birdibus zippibus, Speedipus rex e Morselus babyfastious tastius. E quem fracassa em suas tentativas de apanhá-lo é Wile E. Coyote, ele próprio classificado como um representante das espécies Carnivorous slobbius, Eatius birdius, Overconfi dentii vulgaris, Poor schinookius ou Caninus nervous rex. (Os coiotes reais são Canis latrans, o que soa como um banheiro usado por legionários romanos.)

Então a quem nós, e as figuras do desenho animado, temos a agradecer por criar as regras que levaram a todo esse pomposo humor alatinado? A ninguém menos que o naturalista sueco Carl Linnaeus, que era tão apaixonado por nomear coisas que deu a si mesmo alguns outros: Carl Linné, Carl von Linné, Carolus Linnaeus e Caroli Linnaei, nomes pelos quais propôs o sistema padrão de gênero das espécies da nomenclatura taxonômica binominal, ainda usada para registrar toda a vida existente. O ano de 2007 foi o do tricentenário do nascimento de Linnaeus, o que mostra que a contribuição de algumas pessoas dá a elas uma vita postmortem que não é nada brevis.

O jornalista e fofoqueiro americano H. L. Mencken fez um involuntário tributo à classificação de Linnaeus quando apelidou grande parte da população americana de Boobus americanus. (Não se preocupe. São os outros, não você.) Mencken descreveu o perpetuamente mistificado B. americanus como “um pássaro que desconhece a estação proibida”, o que coincidentemente descreve o Papa-Léguas, também conhecido como Disappearialis quickius. Mencken, por falar nisso, cobriu o famoso caso Scopes, no qual o Homo sapiens tratou a idéia de estar relacionado ao Gorilla gorilla e ao Pan troglodytes como se fosse uma infecção da Yersinia pestis.
Entre os muitos comentários enérgicos sobre o H. sapiens, está o de que “um idealista é alguém que, sabendo que uma rosa cheira melhor que um repolho, conclui que ela também dará uma sopa melhor”. E, na verdade, misturando qualquer uma das numerosas espécies do gênero Rosa com Brassica oleracea do grupo Capitata, fica ainda mais aloprado (Bertholetia excelsa) em latim. Prevenir a confusão é uma razão pela qual o sistema de Linnaeus é tão útil: o presidente francês pode chamá-lo um “moineau”, o rei da Espanha Juan Carlos, de um “gorrión”, e o vice-presidente americano Dick Cheney pode (ou não) bradar “explosão à frente!” antes de abatê-lo do céu, mas o pássaro em questão seria reconhecível por todos os seus conselheiros científicos como Passer domesticus. Que também é conhecido em inglês como um pardal doméstico. E por não terem os nomes comuns das espécies a autoridade das designações oficiais de Linnaeus, mesmo dentro de uma mesma língua, o pardal doméstico é conhecido também em inglês como o pardal inglês. Algum taxonomista pode ajudar?

Os dois grandes trabalhos gêmeos de Linnaeus foram o Species planterum, de 1753, no qual classificou toda espécie conhecida de vegetação, e o Systema naturae, de 1758, que celebra 250 anos este ano e foi o primeiro esforço importante de organização do mundo animal. O verbete sobre Linnaeus na Wikipedia nota que, por ter o hábito de nomear todas as coisas vivas que encontrava, “pensava em si mesmo como um segundo Adão”. A capa de Systema naturae mostra um homem, presumivelmente Linnaeus, atirando títulos latinos a “novas criaturas enquanto são criadas no Jardim do Éden”. Ele não era um membro em extinção do gênero Viola.

Linnaeus parece ter ocasionalmente abusado de seu poder apelativo. O Jardim Botânico de Nova York, que em novembro passado fez uma rara exibição pública da própria cópia anotada por Linnaeus de seu Systema naturae, ressalta em seu website que “ele se vingou de seus críticos dando seus nomes a plantas e animais desagradáveis. Por exemplo, nomeou a Siegesbeckia, erva daninha sem atrativos que exala um líquido de mau cheiro, por causa do botânico alemão Johan Siegesbeck”. Linnaeus seria assim provavelmente um pé no Scrotum. Mas sem ele, a biologia poderia não ter se tornado uma ciência respeitável.

Fonte:Scientific American Brasil

Saúde básica para todos

Dez soluções para garantir serviço fundamental a um custo quase insignificante
por Jeffrey Sachs


Um recente relatório da UNICEF sobre mortalidade infantil apresenta dados perturbadores, mas, surpreendentemente, também traz um pouco de esperança. O choque é que 9,7 milhões de crianças com menos de cinco anos morreram em 2006. A boa notícia que essa estatística desoladora traz é que, de fato, esse número representa uma queda em relação aos 12,7 milhões em 1990, dentro de uma população de aproximadamente 630 milhões de crianças com menos de cinco anos para ambos os períodos. Uma notícia ainda melhor é que as outras quase 10 milhões de mortes são quase que totalmente evitáveis, a baixo custo, de uma forma que aliviará em vez de exacerbar as pressões sobre os países pobres.

Quase todas as mortes (aproximadamente 98%) ocorrem nos países em desenvolvimento. Esses casos são o resultado de situações de extrema pobreza e de sistemas de saúde precários em países pobres. As causas da mortalidade refletem as condições de vida inseguras dos pobres (como a vulnerabilidade a doenças tropicais, água potável duvidável e poluição do ar interna) e a falta de acesso a serviços de saúde preventivos e curativos. Os principais colaboradores para as altas taxas de mortalidade são os óbitos que ocorrem nos primeiros 28 dias depois do nascimento, provocados por diarréia (em razão do consumo de água infectada), infecções respiratórias (geralmente provocadas pelo uso de fornos a lenha), malária e doenças que podem ser evitadas com a administração de vacinas. Estima-se que em torno de metade de todas as mortes apresenta como co-fator uma subnutrição crônica.

Há 60 anos, no lançamento da Organização Mundial de Saúde, os governos mundiais declararam a saúde como direito humano fundamental, “sem distinção de raça, religião, crença política, condição social ou econômica.” Há trinta anos, em Alma Ata, os governos do mundo pediram saúde para todos até o ano 2000, principalmente através da expansão do acesso a instalações e serviços de saúde básica. Embora o mundo tenha de longe deixado de atingir esse alvo, podemos ainda chegar a ele, a custos muito baixos. Dez passos básicos podem levar à saúde para todos nos próximos anos.

Primeiro: países ricos deveriam investir 0,1% de seus produtos internos brutos para cuidados com saúde nos países de baixa renda. Com o PIB do mundo rico de U$ 35 trilhões, isso criaria um fundo de cerca de U$ 35 bilhões por ano – o bastante para U$ 35 per capita em serviços adicionais para cerca de um bilhão de pessoas.
Segundo: metade do acréscimo deveria ser canalizada para o Fundo Global de Combate a Aids, Tuberculose e Malária. O Fundo Global provou ser uma instituição altamente eficaz, com mínimo de burocracia e máximo impacto. Apoiou a distribuição de aproximadamente 30 milhões de redes anti-malária, ajudou a colocar cerca de um milhão de africanos em tratamento anti-retroviral e a curar mais de duas milhões de pessoas com tuberculose.

Terceiro: países de baixa renda deveriam destinar 15% de seus próprios orçamentos à saúde. Considere um país pobre onde a renda média anual é de U$ 300. O orçamento total nacional pode estar em torno de 15% do PIB, mais ou menos U$ 45 per capita. Quinze por cento desta soma destinada à saúde chegaria a U$ 6,75 por pessoa por ano. Não o bastante por si mesmos para fornecer cuidados de saúde adequados, mas que cumpririam a tarefa com os U$ 35 per capita de doações.

Quarto: o mundo deveria adotar um planejamento para o controle abrangente da malária, visando levar a mortalidade pela doença a próximo de zero em 2012, com amplo acesso a redes anti-malária, borrifamento de lares, quando apropriado, e remédios eficazes quando a doença atacasse.

Quinto: os países ricos deveriam seguir em seu antigo e realizável compromisso de assegurar acesso a anti-retrovirais para todas as pessoas infectadas pelo HIV até 2010.

Sexto: o mundo deveria preencher uma carência de financiamento de cerca de U$3 bilhões por ano para um controle amplo da tuberculose – outra área na qual há muito tempo se provou que as intervenções são eficazes, mas onde há falta crônica de fundos.

Sétimo: o mundo deveria garantir, com uns poucos bilhões de dólares por ano, o acesso dos mais pobres entre os pobres aos serviços de saúde sexuais e de reprodução, incluindo planejamento familiar, contracepção e cuidados obstétricos de emergência.

Oitavo: o Fundo Global poderia oferecer cerca de U$ 400 milhões por ano para o controle amplo de diversas doenças tropicais (principalmente as infecções por vermes), que ocorrem virtualmente nas mesmas regiões onde a malária é endêmica.

Nono: o Fundo Global poderia abrir um novo mecanismo de financiamento para incentivar o cuidado primário de saúde, incluindo – o mais importante – a construção de clinicas e a contratação e treinamento de enfermeiras e trabalhadores comunitários de saúde.

Décimo: ao usar recentes conquistas na medicina e na saúde pública os sistemas de saúde expandidos nos países mais pobres poderiam estar equipados para lidar com doenças não comunicadas e há muito negligenciadas, mas que podem ser tratadas a custo baixo, como hipertensão, catarata e depressão.

Estes passos simples poderiam salvar a vida de 10 milhões de crianças e adultos por ano, a um custo quase imperceptível para as nações mais ricas. Essas medidas ainda iriam reduzir, e não acelerar, o crescimento populacional em regiões empobrecidas, diminuindo as tensões econômicas e ambientais que populações crescentes estão impondo a elas. A saúde para todos não é apenas o imperativo moral que era no lançamento da Organização Mundial de Saúde há 60 anos - é também a melhor pechincha prática no planeta.

Jeffrey Sachs é diretor do Earth Institute da Universidade de Columbia

Fonte: Scientific American

Decifrada ação amnésica da maconha


Droga ativa síntese de proteínas em região do cérebro responsável pela formação da memória.

Uma equipe liderada por cientistas espanhóis acaba de decifrar como a maconha é capaz de afetar a memória de seus usuários. Um estudo feito com camundongos mostra que a droga ativa um mecanismo relacionado à síntese de proteínas em uma região específica do cérebro responsável pela formação e consolidação de memórias. A descoberta pode levar ao desenvolvimento de terapias para prevenir esse efeito nocivo no uso medicinal da maconha.

O déficit de memória é uma das principais consequências associadas ao uso da maconha (Cannabis sativa). Estudos anteriores mostravam que os compostos canabinoides ativam receptores específicos (CB1R) em uma região do cérebro chamada hipocampo. Esses receptores afetam o poder de conexão dos neurônios e prejudicam a resposta cognitiva dessa área cerebral. Mas até hoje não se conhecia o mecanismo preciso que gera o efeito amnésico da maconha.

A nova pesquisa, publicada na revista Nature Neuroscience desta semana, investigou a ação do THC, principal composto químico psicoativo da maconha, no cérebro de camundongos. Os cientistas descobriram que a ativação dos receptores canabinoides por essa substância é capaz de disparar um processo de sinalização intracelular (chamado mTOR) que modula a síntese de proteínas no hipocampo. Segundo eles, a administração de 3 a 10 mg de THC por quilo de massa corporal foi capaz de afetar o mecanismo mTOR no hipocampo dos camundongos.

Para avaliar a relação entre o aumento na síntese de proteínas provocado pelo THC e a ocorrência de lapsos de memória em função do consumo dessa substância, os camundongos receberam um inibidor de síntese de proteínas chamado anisomicina. Nos testes, esse composto bloqueou os déficits à memória induzidos pelo THC.

Prevenção da perda de memória
A equipe, liderada por Andrés Ozaita, professor da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona (Espanha), descobriu ainda que a rapamicina, droga imunossupressora usada prevenir a rejeição de órgãos transplantados, também é capaz de impedir a perda de memória causada pelo THC em camundongos.

Animais tratados com a substância não apresentaram efeitos amnésicos em duas tarefas que dependem do hipocampo: o reconhecimento de objetos e de contextos. Segundo os pesquisadores, isso ocorreu porque a rapamicina bloqueia as mudanças promovidas pelo THC na sinalização associada ao mecanismo mTOR.

“O esclarecimento dos mecanismos envolvidos nos efeitos amnésicos dos canabinoides permite um melhor entendimento de uma séria desvantagem do consumo de maconha”, avaliam os pesquisadores no artigo. Eles ressaltam que os prejuízos cognitivos são importantes efeitos colaterais associados ao uso terapêutico de canabinoides.

E completam: “Nossos resultados identificam o alvo específico que se encontra na base desses efeitos e poderiam, portanto, ser úteis para facilitar o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas que levem à prevenção desses efeitos nocivos dos compostos canabinoides.”



Thaís Fernandes
Ciência Hoje

Homero O poeta grego épico



Homero é considerado o grande autor da maior parte dos poemas narrativos que sobreviveram ao início da literatura grega.
por Marcon Beraldo


Segundo a tradição antiga, ele é autor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, duas grandes obras da Antiguidade , e muitos outros poemas que acabaram servindo de relato histórico e base cultural e moral da Grécia. Para os gregos que viveram sob o domínio dos romanos, ele foi o principal poeta da sua época, embora alguns escritores coloquem em dúvida a sua verdadeira identidade - é controvertida até a data de seu nascimento. Por volta do sétimo século a.C. surgiram as primeiras citações dos relatos épicos -, a Ilíada e a Odisseia estão incluídas entre as grandes obras da literatura universal.
A discussão sobre a autoria da Ilíada e da Odisseia resultou na famosa "questão homérica", que ao que tudo indica surgiu por volta do sexto século a.C., quando um certo Theagenes de Regium começou a indagar sobre as origens de Homero. Esta incerteza nasceu da quase completa impessoalidade do épico grego. O autor de Ilíada às vezes fala na primeira pessoa sobre seus próprios sentimentos, mas não há outra referência sobre a identidade do autor em nenhuma de suas obras. As datas e locais em que os poemas foram compostos podem ser apenas inferidos de evidências ambíguas e contraditórias.


Segundo alguns historiadores, o fato de serem citados comerciantes (fenícios) na Odisseia pode significar uma comprovação de que a obra possa ter sido feita por volta do século 9 a.C. Eles também citam táticas militares narradas na Ilíada que teriam origem no século 8 a.C. Embora essa diferença de datas possa indicar que houve um período muito longo entre a confecção de uma obra e outra, eles também sugerem que ambas possam ter apenas um autor, apesar de outros duvidarem que as duas possam ter sido escritas ou narradas somente por Homero.

Por volta do quarto século a.C, quando já se comercializavam livros e já existiam bibliotecas, Homero passou a ser considerado o criador da mitologia grega. Os historiadores da época se baseavam na existência de outros poemas, atribuídos a Homero, que homenageavam deuses daquele período. Essas obras também deixaram impregnadas na cultura grega princípios éticos de conduta e comportamento, mas sua autoria também nunca teve comprovação.

Homero teria vivido no oitavo ou nono século a.C. na Jônia, uma região hoje pertencente à Turquia. A Ilíada e a Odisseia são os principais documentos literários e históricos da região que resistiram aos tempos pelo seu relevante conteúdo. O que ficou de Homero, afora a controvérsia sobre as suas origens e até mesmo a própria autoria, são as obras, todas do gênero épico. Esses relatos, inspirados nas musas do autor, são baseados em fatos que podem ter acontecido ou não. As principais obras, a Ilíada e a Odisseia, falam de guerras, deuses, heróis, e, claro, tentam transmitir à sociedade de então ensinamentos morais, por meio dos personagens.

A Ilíada narra os acontecimentos, em 51 dias, durante o décimo e último ano da guerra de Troia. O título da obra tem origem no nome grego de Troia, Ílion. Trata-se de um poema épico que descreve "a ira de Aquiles" e a luta pela a posse de mulheres capturadas, entre Aquiles, o grande guerreiro, e Agamenon, o comandante em chefe do exército dos aqueus, que sitiou Ílios, a capital de Troia, por nove anos a fim de resgatar Helena, a esposa de Menelau (irmão de Agamenon), que fora capturada por Paris, filho de Príamo, rei de Troia.

A luta teve conseqüências desastrosas - primeiro para os aqueus, que tiveram de combater sem o apoio de Aquiles, e sob a temporária, porém real, inimizade de Zeus, "o pai dos deuses e dos homens" -; depois para o próprio Aquiles na perda de seu grande amigo Patroclus; e, finalmente, para Heitor, herói dos troianos. Aquiles, depois de ter se reconciliado com Agamenon, tendo vingado o assassinato de Patroclus e praticado os rituais finais para o amigo morto, finalmente se reconcilia com os deuses, ao permitir que Príamo possa regatar o corpo de Heitor e levá-lo de volta a Troia, para ser enterrado.

A história da Guerra de Troia pôde ser conhecida em detalhes graças ao relato atribuído a Homero. Acredita-se que ele costumava peregrinar pelas cortes e povoados da época, repetindo as estrofes verbalmente, enaltecendo os feitos e as conquistas dos antepassados dos gregos, então designados como aqueus.
A GRÉCIA EM NÚMEROS

A Grécia é banhada pelo mar em 14.880 km e possui uma fronteira terrestre de 1.160 km. O país é montanhoso ou acidentado em 80% de seu território. Apenas 28% das terras são propícias à agricultura. A indústria grega responde por 20% do PIB (Produto Interno Bruto). A agricultura gera apenas 4% das receitas. Já o turismo responde por 15% das riquezas da Grécia. O PIB do país chegou a US$ 324,4 bilhões em 2007. A Grécia, que tem aproximadamente 3 mil anos de existência, só proclamou sua independência nacional em 1829. O país tem cerca de 11 milhões de habitantes. 97% são de origem grega. A taxa de analfabetismo é de aproximadamente 2,5% e a renda per capita de US$ 31.382.
Era seu costume narrar, em pé e apoiando- se num cajado, em voz alta, para os ouvintes, a descrição dos combates dos heróis daquela época. Uma espécie de repórter falado daqueles tempos, com certeza. Esse costume viabilizou a preservação da memória dos fatos de então, o que acabaria por resultar na unidade cultural dos povos daquela região do sul da Europa, principalmente os de fala grega. Hoje, considera-se que Homero teve um papel fundamental, como personalidade literária, na vida do povo grego.

Essa narrativa, também chamada de epopeia, se resume em duas obras-primas: a Ilíada e a Odisseia. A Ilíada relata o último ano da guerra de Troia e a Odisseia conta as peripécias de Ulisses, depois da guerra. Em ambas são narradas a relação dos homens com os deuses. Consta que os relatos de Homero foram, por assim dizer, reescritos em 561 a.C por um certo Zenôdoto, que cumpria ordens de um ditador de Atenas, Pisístrato. Assim, a Ilíada e a Odisseia chegaram até nós compiladas por aquele escritor. Os dois grandes poemas que constituem as duas obras foram posteriormente subdivididos em 24 cantos cada, num total espantoso de 27.803 versos, número até hoje não superado na literatura ocidental.

Os outros personagens da guerra de Troia, heróis e anônimos, foram fontes de inspiração para autores que viveram depois dos tempos de Homero. Eles escreveram peças que se basearam nas vidas dos combatentes Ésquilo, Sófocles e Eurípides foram alguns desses autores.

A Ilíada, em particular, deixou sua marca na cultura clássica, tanto na formação dos gregos como, posteriormente, na dos habitantes do Império Romano. Essa influência também pode ser observada nos autores clássicos daquele período, como em Virgílio.

Originalmente, a Odisseia foi escrita em seis livros, dividida em quatro partes. A obra narra a luta de Telêmaco contra os cortejadores de sua mãe, que querem tirar proveito da viagem de Ulisses para a guerra de Troia. Atena aconselha Telêmaco a ir à procura do pai. Ele viaja numa embarcação para a casa do rei Nestor, em Pilos, que lhe conta episódios da guerra e sobre a morte de Agamenon. Em seguida, ele viaja a Esparta, junto com o filho de Nestor, e no palácio de Menelau e Helena, ouve mais relatos sobre o conflito entre aqueus e troianos.

Ao mesmo tempo em que Telêmaco segue viagem em busca do pai, Zeus envia Hermes para determinar a Calipso, em Ogígia, que deixe Ulisses partir. No mar, a bordo de uma jangada, durante uma tempestade, ele chega a um lugar chamado Feaces, onde encontra a princesa Nausíca. Aconselhado por ela a ir ao palácio, Ulisses recebe um pedido do rei Alcino para lhe contar a sua história.

Ulisses narra então o dia que deixou Troia no passado. Cita a passagem pela ilha dos ciclopes, onde ele fere o filho de Poseidon. Passa também pela ilha da feiticeira Circe, que, segundo a lenda, transformava os homens em suínos, e chega até Hades, onde interroga Tirésias sobre seu próprio futuro.

Essa região, segundo a lenda, era conhecida como a terra dos mortos. Ulisses então teria se comunicado - mediunicamente, talvez - com os companheiros de batalha que tombaram e inclusive com sua própria mãe, que falecera. Em seguida, ele volta à ilha de Circe, que o adverte sobre o perigo das sereias. Em viagem, novamente, Ulisses chega à ilha do Sol, onde seus companheiros matam os animais e depois falecem no mar. Ulisses, o único sobrevivente, volta à ilha de Ogígia, onde permanece por sete anos.

Depois de receber permissão de Calipso, Ulisses retorna à ilha de Feaces. Lá, ele recebe ajuda para voltar para Ítaca. A primeira providência de Ulisses é ocultar os tesouros. Telêmaco também volta ao "lar doce lar" e ao saber do motivo da viagem do filho combinam combater os pretendentes ao trono. É sugerida uma prova de habilidade e Ulisses, disfarçado de mendigo, termina como o grande vencedor e revela-se o verdadeiro rei de Ítaca. Junto com o filho e aliados, ele destrói os pretendentes e usurpadores. Só faltava provar sua identidade a Penélope. Depois disto, ele visita o pai, Laerte, que apresentava quadro de depressão profunda.
Fonte: revista literatura.

O LIVRO DO DESASSOSSEGO - FERNANDO PESSOA . BERNARDO SOARES


Fragmento 10
"Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

segunda-feira, agosto 03, 2009

"Tudo ver e vê-lo muitas vezes", frase de Dostoiévski


"...tudo compreender, tudo ver e vê-lo muitas vezes, de modo incomparavelmente mais nítido do que o fazem todas as nossas inteligências mais positivas;

não se conformar com nada e com ninguém, mas ao mesmo tempo, não desdenhar de nada..."

(Fiódor Dostoiévski)

Conforto e saúde


O conforto nos tornou sedentários empedernidos. Conforto pressupõe cadeiras anatômicas com almofadas macias e ter tudo ao alcance da mão.
Enquanto nossos antepassados caçadores-coletores ganhavam o sustento com o suor de seus corpos e nossos avós eram obrigados a longas caminhadas para realizar as tarefas diárias, nós vamos de automóvel, tomamos elevadores, subimos escadas rolantes, apertamos botões para lavar roupa e fechar vidros, usamos telefones móveis para evitar deslocamentos e chamar o disque-pizza.
Hoje em dia, não existe pessoa alfabetizada que desconheça os benefícios da atividade física. Não é sem propósito, exceção feita a parar de fumar, nenhuma intervenção isolada de saúde pública tem tamanho impacto na prevenção das enfermidades crônicas que afligem o homem moderno: hipertensão arterial, diabetes, obesidade, reumatismo, infarto do miocárdio, derrame cerebral, e tantas outras.
Se, além desse conhecimento teórico, todos são unânimes em concordar que a prática de exercício traz uma sensação agradável de bem estar, é o caso de nos perguntarmos por que a maioria esmagadora de mulheres e homens deixa de exercer essa atividade que reconhecem fazer bem para o organismo, na teoria e na prática? A resposta é simples: a prática de exercícios físicos vai contra a natureza humana!
Theodor Dobzhanski, um dos maiores geneticistas do século vinte, afirmou que nenhum fenômeno biológico tem sentido exceto à luz da evolução. Há 6 milhões de anos, nossa espécie divergiu dos ancestrais comuns que mais tarde deram origem aos chimpanzés e aos bonobos, nossos parentes próximos. Se lembrarmos que a agricultura surgiu há meros 10 mil anos -- e com ela a possibilidade de estocar provisões --, é possível fazer idéia do esforço físico diário atrás de comida e proteção despendido por nossos ancestrais desde a idade da pedra, para que eu tivesse o privilégio de encontrar você, leitor, neste momento.
Os homens deixavam as mulheres com as crianças na caverna e saíam à caça e à cata de frutos e tubérculos. Depois de andar quilômetros, quando a sorte lhes bafejava, percorriam o caminho de volta com a caça às costas e os frutos nas mãos. Desprovidos de tecnologia para conservação de alimentos, todos comiam a mais não poder com o objetivo de armazenar as calorias em excesso sob a forma de gordura, garantia de sobrevivência quando chegasse a fome. A vida se resumia a correr atrás de comida e poupar energia no intervalo das refeições, como até hoje fazem os outros animais. Ou, alguém já viu jacaré ou onça fazendo exercício no zoológico?
A penúria, a que esteve submetida nossa espécie durante milhões de anos, moldou a arquitetura dos circuitos de neurônios que se integram no cérebro humano para controlar as sensações de fome, saciedade e a falta absoluta de disposição para esbanjar energia através da atividade física. Por causa da escassez crônica de alimentos no passado, somos capazes de comer muito mais do que o organismo requer para as necessidades diárias. Se formos atender nossos impulsos atávicos, saímos da mesa farta diretamente para o sofá da sala.
Por isso, se você está à espera de disposição para começar um programa de atividade física, não se engane: esse dia jamais virá. Pode ser que surja num domingo na praia, num sítio, mas na rotina diária, esqueça! Seria preciso reescrever a história da espécie humana na face da Terra.
Como, então, conciliar essa preguiça milenar com a necessidade essencial de movimentar o corpo para melhorar a qualidade de seu desempenho e aumentar a longevidade, vivendo na cidade grande? Com as dificuldades de locomoção, o excesso de compromissos e a competição desenfreada pelos postos de trabalho, quem dispõe de tempo para freqüentar clubes, academias ou caminhar em parques públicos?
A única solução para os que se queixam da falta de tempo é incorporar a atividade física à rotina diária. De acordo com o guia de orientação dietética de 2005, publicado pelo Departamento de Saúde americano, as pessoas podem ser divididas em três grupos segundo o grau de atividade física:
1) Sedentários: quando a atividade é leve, praticamente limitada às solicitações da vida diária;
2) Moderadamente ativos: quando andam de 2,4 a 4,8 km por dia, em 30 minutos, ou sobem 15 minutos de escada, além de executar as atividades do dia a dia;
3) Ativos: quando andam mais de 4,8 km por dia, à velocidade de 4,8 a 6,4 km por hora, ou sobem mais de 15 minutos de escada, além das atividades diárias.
Portanto, a barreira de tempo que separa os sedentários dos ativos é de 30 minutos, num dia de 24 horas, para quem estiver disposto a andar. Ou, de míseros 15 minutos, para os que decidirem subir escadas.
Se você vive num daqueles infernos, sem tempo para nada, ainda lhe resta a alternativa de fracionar esses números: andar 15 minutos duas vezes por dia, ou subir escadas durante 5 minutos, três vezes por dia. Não venha com desculpas, sempre é possível andar; sempre existe uma escada por perto.
Mas, se você está disposto a mudar de vida na próxima segunda-feira ou na virada do ano, não esqueça: é preciso disciplina militar. Não espere que a disposição venha por conta própria, porque desperdiçar energia é contra a natureza humana. Por outro lado, o corpo parado se desgasta mais depressa, sofre e dura menos. O corpo humano é uma máquina construída para o movimento.




Página fonte: Site Oficial Dr. Drauzio Varella

domingo, agosto 02, 2009

O que é um psicopata, por Scott O. Lilienfeld e Hal Arkowitz

Cercada de mitos, a psicopatia nem sempre está associada à violência e, ao contrário do que se imagina, pode ser tratada


O termo “psicopata” caiu na boca do povo, embora na maioria das vezes seja usado de forma equivocada. Na verdade, poucos transtornos são tão incompreendidos quanto a personalidade psicopática.

Descrita pela primeira vez em 1941 pelo psiquiatra americano Hervey M. Cleckley, do Medical College da Geórgia, a psicopatia consiste num conjunto de comportamentos e traços de personalidade específicos. Encantadoras à primeira vista, essas pessoas geralmente causam boa impressão e são tidas como “normais” pelos que as conhecem superficialmente.

No entanto, costumam ser egocêntricas, desonestas e indignas de confiança. Com freqüência adotam comportamentos irresponsáveis sem razão aparente, exceto pelo fato de se divertirem com o sofrimento alheio. Os psicopatas não sentem culpa. Nos relacionamentos amorosos são insensíveis e detestam compromisso. Sempre têm desculpas para seus descuidos, em geral culpando outras pessoas. Raramente aprendem com seus erros ou conseguem frear impulsos.

Não é de surpreender, portanto, que haja um grande número de psicopatas nas prisões. Estudos indicam que cerca de 25% dos prisioneiros americanos se enquadram nos critérios diagnósticos para psicopatia. No entanto, as pesquisas sugerem também que uma quantidade considerável dessas pessoas está livre. Alguns pesquisadores acreditam que muitos sejam bem-sucedidos profissionalmente e ocupem posições de destaque na política, nos negócios ou nas artes.

Especialistas garantem que a maioria dos psicopatas é homem, mas os motivos para esta desproporção entre os sexos são desconhecidos. A freqüência na população é aparentemente a mesma no Ocidente e no Oriente, inclusive em culturas menos expostas às mídias modernas. Em um estudo de 1976 a antropóloga americana Jane M. Murphy, na época na Universidade Harvard, analisou um grupo indígena, conhecido como inuíte, que vive no norte do Canadá, próximo ao estreito de Bering. Falantes do yupik, eles usam o termo kunlangeta para descrever “um homem que mente de forma contumaz, trapaceia e rouba coisas e (...) se aproveita sexualmente de muitas mulheres; alguém que não se presta a reprimendas e é sempre trazido aos anciãos para ser punido”. Quando Murphy perguntou a um inuit o que o grupo normalmente faria com um kunlangeta, ele respondeu: “Alguém o empurraria para a morte quando ninguém estivesse olhando”.

O instrumento mais usado entre os especialistas para diagnosticar a psicopatia é o teste Psychopathy checklist-revised (PCL-R), desenvolvido pelo psicólogo canadense Robert D. Hare, da Universidade da Colúmbia Britânica. O método inclui uma entrevista padronizada com os pacientes e o levantamento do seu histórico pessoal, inclusive dos antecedentes criminais. O PCL-R revela três grandes grupos de características que geralmente aparecem sobrepostas, mas podem ser analisadas separadamente: deficiências de caráter (como sentimento de superioridade e megalomania), ausência de culpa ou empatia e comportamentos impulsivos ou criminosos (incluindo promiscuidade sexual e prática de furtos).
Três mitos

Apesar das pesquisas realizadas nas últimas décadas, três grandes equívocos sobre o conceito de psicopatia persistem entre os leigos. O primeiro é a crença de que todos os psicopatas são violentos.

Estudos coordenados por diversos pesquisadores, entre eles o psicólogo americano Randall T. Salekin, da Universidade do Alabama, indicam que, de fato, é comum que essas pessoas recorram à violência física e sexual. Além disso, alguns serial killers já acompanhados manifestavam muitos traços psicopáticos, como a capacidade de encantar o interlocutor desprevenido e a total ausência de culpa e empatia. No entanto, a maioria dos psicopatas não é violenta e grande parte das pessoas violentas não é psicopata.

Dias depois do incidente da Universidade Virginia Tech, em 16 de abril de 2007, em que o estudante Seung-Hui Cho cometeu vários assassinatos e depois se suicidou, muitos jornalistas descreveram o assassino como “psicopata”. O rapaz, porém, exibia poucos traços de psicopatia. Quem o conheceu descreveu o jovem como extremamente tímido e retraído.
Infelizmente, a quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) reforça ainda mais a confusão entre psicopatia e violência. Nele o transtorno de personalidade anti-social (TPAS), caracterizado por longo histórico de comportamento criminoso e muitas vezes agressivo, é considerado sinônimo de psicopatia. Porém, comprovadamente há poucas coincidências entre as duas condições.
O segundo mito diz que todos os psicopatas sofrem de psicose. Ao contrário dos casos de pessoas com transtornos psicóticos, em que é freqüente a perda de contato com a realidade, os psicopatas são quase sempre muito racionais. Eles sabem muito bem que suas ações imprudentes ou ilegais são condenáveis pela sociedade, mas desconsideram tal fato com uma indiferença assustadora. Além disso, os psicóticos raramente são psicopatas.

O terceiro equívoco em relação ao conceito de psicopatia está na suposição de que é um problema sem tratamento. No seriado Família Soprano, dra. Melfi, a psiquiatra que acompanha o mafioso Tony Soprano, encerra o tratamento psicoterápico porque um colega a convence de que o paciente era um psicopata clássico e, portanto, intratável. Diversos comportamentos de Tony, entretanto, como a lealdade à família e o apego emocional a um grupo de patos que ocuparam a sua piscina, tornam a decisão da terapeuta injustificável.

Embora os psicopatas raramente se sintam motivados para buscar tratamento, uma pesquisa feita pela psicóloga Jennifer Skeem, da Universidade da Califórnia em Irvine, sugere que essas pessoas podem se beneficiar da psicoterapia como qualquer outra. Mesmo que seja muito difícil mudar comportamentos psicopatas, a terapia pode ajudar a pessoa a respeitar regras sociais e prevenir atos criminosos.
Fonte: Revista Mente e Cérebro