quinta-feira, agosto 06, 2009

O que há com nomes em latim? O talento especial por trás das espécies e gêneros

FOTOGRAFIA DE FLYNN LARSEN; ILUSTRAÇÃO DE MATT COLLINS

por Steve Mirsky

O papa-léguas é classificado como Geococcyx californianus. O menor, como Geococcyx velox. E aquele mais familiar, do desenho animado (bip, bip), foi designado em ocasiões diferentes como Accelerati incredibilus, Velocitus tremenjus, Birdibus zippibus, Speedipus rex e Morselus babyfastious tastius. E quem fracassa em suas tentativas de apanhá-lo é Wile E. Coyote, ele próprio classificado como um representante das espécies Carnivorous slobbius, Eatius birdius, Overconfi dentii vulgaris, Poor schinookius ou Caninus nervous rex. (Os coiotes reais são Canis latrans, o que soa como um banheiro usado por legionários romanos.)

Então a quem nós, e as figuras do desenho animado, temos a agradecer por criar as regras que levaram a todo esse pomposo humor alatinado? A ninguém menos que o naturalista sueco Carl Linnaeus, que era tão apaixonado por nomear coisas que deu a si mesmo alguns outros: Carl Linné, Carl von Linné, Carolus Linnaeus e Caroli Linnaei, nomes pelos quais propôs o sistema padrão de gênero das espécies da nomenclatura taxonômica binominal, ainda usada para registrar toda a vida existente. O ano de 2007 foi o do tricentenário do nascimento de Linnaeus, o que mostra que a contribuição de algumas pessoas dá a elas uma vita postmortem que não é nada brevis.

O jornalista e fofoqueiro americano H. L. Mencken fez um involuntário tributo à classificação de Linnaeus quando apelidou grande parte da população americana de Boobus americanus. (Não se preocupe. São os outros, não você.) Mencken descreveu o perpetuamente mistificado B. americanus como “um pássaro que desconhece a estação proibida”, o que coincidentemente descreve o Papa-Léguas, também conhecido como Disappearialis quickius. Mencken, por falar nisso, cobriu o famoso caso Scopes, no qual o Homo sapiens tratou a idéia de estar relacionado ao Gorilla gorilla e ao Pan troglodytes como se fosse uma infecção da Yersinia pestis.
Entre os muitos comentários enérgicos sobre o H. sapiens, está o de que “um idealista é alguém que, sabendo que uma rosa cheira melhor que um repolho, conclui que ela também dará uma sopa melhor”. E, na verdade, misturando qualquer uma das numerosas espécies do gênero Rosa com Brassica oleracea do grupo Capitata, fica ainda mais aloprado (Bertholetia excelsa) em latim. Prevenir a confusão é uma razão pela qual o sistema de Linnaeus é tão útil: o presidente francês pode chamá-lo um “moineau”, o rei da Espanha Juan Carlos, de um “gorrión”, e o vice-presidente americano Dick Cheney pode (ou não) bradar “explosão à frente!” antes de abatê-lo do céu, mas o pássaro em questão seria reconhecível por todos os seus conselheiros científicos como Passer domesticus. Que também é conhecido em inglês como um pardal doméstico. E por não terem os nomes comuns das espécies a autoridade das designações oficiais de Linnaeus, mesmo dentro de uma mesma língua, o pardal doméstico é conhecido também em inglês como o pardal inglês. Algum taxonomista pode ajudar?

Os dois grandes trabalhos gêmeos de Linnaeus foram o Species planterum, de 1753, no qual classificou toda espécie conhecida de vegetação, e o Systema naturae, de 1758, que celebra 250 anos este ano e foi o primeiro esforço importante de organização do mundo animal. O verbete sobre Linnaeus na Wikipedia nota que, por ter o hábito de nomear todas as coisas vivas que encontrava, “pensava em si mesmo como um segundo Adão”. A capa de Systema naturae mostra um homem, presumivelmente Linnaeus, atirando títulos latinos a “novas criaturas enquanto são criadas no Jardim do Éden”. Ele não era um membro em extinção do gênero Viola.

Linnaeus parece ter ocasionalmente abusado de seu poder apelativo. O Jardim Botânico de Nova York, que em novembro passado fez uma rara exibição pública da própria cópia anotada por Linnaeus de seu Systema naturae, ressalta em seu website que “ele se vingou de seus críticos dando seus nomes a plantas e animais desagradáveis. Por exemplo, nomeou a Siegesbeckia, erva daninha sem atrativos que exala um líquido de mau cheiro, por causa do botânico alemão Johan Siegesbeck”. Linnaeus seria assim provavelmente um pé no Scrotum. Mas sem ele, a biologia poderia não ter se tornado uma ciência respeitável.

Fonte:Scientific American Brasil