quarta-feira, novembro 04, 2009

Um lugar nesse jardim

As realidades da alma,
por não serem visíveis e palpáveis,
não deixam de ser realidades.
Victor Hugo, em Os Miseráveis


Por que é tão assustador entrar em contato com o sentimento? Dá paúra! Medo de cair num abismo sem fim. De ser despejado por uma espaçonave desconhecida no infinito do espaço cósmico. Muito mais fácil é usar a razão, explicar com o pensamento, com a lógica o que se sente. Mas será possível funcionar assim: será que a razão pode traduzir realmente o que se sente?
Tenho andado meio sem inspiração para escrever. Só observando… Nesta época do ano, quase todas as plantas do meu quintal começam a perder o viço, as folhas caem. Algumas ficam completamente secas. Em compensação, tem sempre umas duas ou três que têm o ciclo diferente, e destoam das outras. Agora, que quase todas estão ficando “caidinhas” elas começam a ficar radiantes. Ramos novos, folhas em tom verdinho claro, botões que daqui a pouco serão flores.
Se eu tivesse que escolher um lugar neste jardim, hoje, ficaria com os que estão se recolhendo. Olhando para dentro de mim mesma.
Sendo um pouco mãe de mim mesma.
Acolhendo minhas vontades e caprichos. Sem culpa. É preciso ter muita coragem para escolher ficar na contra-mão. Muito mais aceito é quem segue o fluxo, quem se agride para cumprir as normas, “ficar bem na foto”. E se mata um pouco por dia. Um pouco a cada dia. O esquema é cruel.
Sem perceber me afasto de mim, com muito mais freqüência do que eu gostaria. Mas minha garra me permite dar meia volta e retomar o caminho de onde parei, assim que me dou conta do atalho errado em que me meti.
Já passei tempo demais ignorando as realidades da minha alma. Fugindo. Me obrigando a sentir aquilo que, na realidade, não sentia. Tentando não sentir aquilo que, na realidade, me consumia. Me negando a enxergar aquilo que, de fato, era óbvio e real.
O apego à razão, ao que é instituído, e ao que é lógico, pode turvar a visão, alterar a percepção e ser péssimo conselheiro.
As evidências que não evidenciam, por mais reais que possam parecer. As certezas que não se sustentam. E ainda reduzem. O desprezo pelo acaso. Tudo para evitar o contato com os sentimentos.
Que maravilha é a vida! Que maravilha poder mudar de opinião. De objetivo. Experimentar novas sensações. Quanto tempo perdi fugindo do que hoje é o que mais prezo: poder sentir. Perdi muito. Mas não me perdi de mim mesma. É bem verdade que foi por pouco…
Consegui me humanizar. Mas ainda hoje quando fico aflita tenho que resistir – muito! - para não procurar refúgio no intelecto, na razão. Sinto-me uma heroína quando mergulho no buraco negro das minhas emoções, e saio de lá mais forte, mais lúcida.
Sentimentos que aproximam ou afastam, não são visíveis nem palpáveis. E, por isso, muitas vezes ignorados. Inconscientemente ignorados.
Por exemplo, a avalanche de emoção num reencontro brindado com um abraço terno, suave e quente. As lembranças que, de repente, invadem tudo. Por que será que duas pessoas que não se vêem há anos, lembrariam das mesmas coisas, das mesmas situações? Uma determinada música executada exaustivamente, tanto quanto outras, foi o que ficou na memória da aluna e da professora, passados mais de vinte e três anos. Por que a mesma música? Por que assim, sem mais nem menos, de repente, alguém resolveu promover o reencontro da mestra com a discípula?
Como explicar o encontro de duas mulheres, hoje amigas, que se conheceram numa palestra em que ambas decidiram ir na última hora? Como explicar que essas mulheres que se trombaram sem querer, descobriram ter imensas afinidades e muitas vivências em comum?
Há explicação para as afinidades que descobrimos aqui, neste blog? Eu tinha muito amigos e não sabia disso… Como explicar a magia que se sente num lugar sagrado? Ou diante de uma obra de arte? Como explicar o arrebatamento diante de todos os mistérios?
Coisas que os nossos olhos, o nosso olhar não captam. Procurar uma explicação lógica para tudo isso? Poderia nos abater. Poderia nos constranger. Poderia nos desestruturar. E somos mestres em evitar, em empurrar para debaixo do tapete, tudo aquilo que pode nos levar ao sofrimento. Ao medo. Ao pânico. E, com isso, geramos desesperos, fobias, doenças.
Imagine um balão de gás - uma bexiga, para os paulistas -, cheio de água, sendo furado com uma agulha. Imaginaram? Que mistério pode haver nesse simples ato, para os nossos olhos tão acostumados a nos acostumar ao óbvio?
Pois vejam, então, os vídeos abaixo. Se alguém me dissesse que aquilo tudo acontece, acho que duvidaria com veemência. Mas acontece. Está lá. Nós é que não vemos.
Quantas serão as realidades, impossíveis de serem vistas apenas com os nossos olhos, que brincam conosco sem que sejamos sequer capazes de imaginá-las?