Uma equipe liderada por cientistas espanhóis acaba de decifrar como a maconha é capaz de afetar a memória de seus usuários. Um estudo feito com camundongos mostra que a droga ativa um mecanismo relacionado à síntese de proteínas em uma região específica do cérebro responsável pela formação e consolidação de memórias. A descoberta pode levar ao desenvolvimento de terapias para prevenir esse efeito nocivo no uso medicinal da maconha.
O déficit de memória é uma das principais consequências associadas ao uso da maconha (Cannabis sativa). Estudos anteriores mostravam que os compostos canabinoides ativam receptores específicos (CB1R) em uma região do cérebro chamada hipocampo. Esses receptores afetam o poder de conexão dos neurônios e prejudicam a resposta cognitiva dessa área cerebral. Mas até hoje não se conhecia o mecanismo preciso que gera o efeito amnésico da maconha.
A nova pesquisa, publicada na revista Nature Neuroscience desta semana, investigou a ação do THC, principal composto químico psicoativo da maconha, no cérebro de camundongos. Os cientistas descobriram que a ativação dos receptores canabinoides por essa substância é capaz de disparar um processo de sinalização intracelular (chamado mTOR) que modula a síntese de proteínas no hipocampo. Segundo eles, a administração de 3 a 10 mg de THC por quilo de massa corporal foi capaz de afetar o mecanismo mTOR no hipocampo dos camundongos.
Para avaliar a relação entre o aumento na síntese de proteínas provocado pelo THC e a ocorrência de lapsos de memória em função do consumo dessa substância, os camundongos receberam um inibidor de síntese de proteínas chamado anisomicina. Nos testes, esse composto bloqueou os déficits à memória induzidos pelo THC.
Prevenção da perda de memória
A equipe, liderada por Andrés Ozaita, professor da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona (Espanha), descobriu ainda que a rapamicina, droga imunossupressora usada prevenir a rejeição de órgãos transplantados, também é capaz de impedir a perda de memória causada pelo THC em camundongos.
Animais tratados com a substância não apresentaram efeitos amnésicos em duas tarefas que dependem do hipocampo: o reconhecimento de objetos e de contextos. Segundo os pesquisadores, isso ocorreu porque a rapamicina bloqueia as mudanças promovidas pelo THC na sinalização associada ao mecanismo mTOR.
“O esclarecimento dos mecanismos envolvidos nos efeitos amnésicos dos canabinoides permite um melhor entendimento de uma séria desvantagem do consumo de maconha”, avaliam os pesquisadores no artigo. Eles ressaltam que os prejuízos cognitivos são importantes efeitos colaterais associados ao uso terapêutico de canabinoides.
E completam: “Nossos resultados identificam o alvo específico que se encontra na base desses efeitos e poderiam, portanto, ser úteis para facilitar o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas que levem à prevenção desses efeitos nocivos dos compostos canabinoides.”
Thaís Fernandes
Ciência Hoje