sexta-feira, dezembro 18, 2009

Grande Sertão: Veredas

"(...) Mas eu não tinha raiva desse seô Habão, juro ao senhor, que ele não era antipático. Eu tinha era um começo de certo desgosto, que seria meditável. — 'Para o ano, se Deus quiser, boto grandes roças no Valado e aqui... O feijão, milho, muito arroz...' Ele repisava, que o que se podia estender em lavoura, lá, era um desadoro. E espiou para mim, com aqueles olhos baçosos — aí eu entendi a gana dele: que nós, Zé Bebelo, eu, Diadorim, e todos os companheiros, que a gente pudesse dar os braços, para capinar e roçar, e colher, feito jornaleiros dele. Até enjoei. Os jagunços destemidos, arriscando a vida, que nós éramos: e aquele seô Habão olhava feito o jacaré no juncal: cobiçava a gente para escravos! Nem sei se ele sabia que queria isso. Acho que a idéia dele não arrumava o assunto assim à certa, mas a natureza dele queria, precisava de todos como escravos. Ainda confesso declarado ao senhor: eu não tivesse raiva daquele seô Habão, porque ele era um homem que estava de mim em tão grandes distâncias... "

João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas. José Olympio, 1956.