quarta-feira, setembro 29, 2010

Teu corpo/meu espaço


Teu corpo é raiz
rasgando a terra nua
do meu sexo

Teu corpo é vertical
onde os meus dedos tocam as distâncias

Teu corpo é diálogo sem palavras
O grito em ressonância
no meu espaço

Manuela Amaral

Uma arte



A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda - escreva tudo! - lembre desastre.


Elizabeth Bishop
Tradução de Horácio Costa

sábado, setembro 25, 2010

Dona da Minha Cabeça



Dona da Minha Cabeça
Geraldo Azevedo

Dona da minha cabeça ela vem como um carnaval
E toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais
Não há um porto seguro, futuro também não há
Mas faz tanta diferença quando ela dança, dança

Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita
Digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita

Dona da minha cabeça quero tanto lhe ver chegar
Quero saciar minha sede milhões de vezes, milhões de vezes

Na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz
Por isso nunca desapareça
Nunca me esqueça, eu não te esqueço jamais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita
Digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita

sexta-feira, setembro 24, 2010

Coisas Peguenas / Teresa Salgueiro

Mistério de Afrodite

Na terra do sol
Uma pérola negra
Brilha perto do mar

Olha a água
Com olhos grandes como o coração
Com o coração grande como o oceano

O vermelho do pôr-do-sol
A cor rosa da madrugada
Levam seu olhar bem longe
Até as noites do branco
Inverno na Europa
A água é um mistério de Afrodite

Mas seu olhar tão longe
Tem um segredo
Tão íntimo, esotérico
É um segredo
Sob o signo do Escorpião
A água é um mistério de Afrodite

A noite azul chega aos trópicos
E desvela as estrelas
Reflexos de luz
Do outro lado do rio mar
Queima como fogo
A saudade cio futuro
O oceano chora
Um universo de paixão
Chegam vento e nuvens
Pêlos olhos da pérola negra
Caem lagrimas de puro amor
A água é um mistério de Afrodite

Teresa Salgueiro

terça-feira, setembro 21, 2010

A mulher perdigueira



A mulher perdigueira sofre um terrível preconceito no amor.
Como se fosse um crime desejar alguém com toda intensidade.
Ela não deveria confessar o que pensa ou exigir mais romance.
Tem que se controlar, fingir que não está incomodada,
mentir que não ficou machucada por alguma grosseria,
omitir que não viu a cantada do seu parceiro para outra.
Ela é vista como uma figura perigosa.
Não pode criar saudade das banalidades, extrapolar a cota de
telefonemas e perguntas. É condenada a se desculpar pelo excesso de cuidado.
Pedir perdão pelo ciúme, pelo descontrole, pela insistência de sua boca.
Exige-se que seja educada. Ora, só o morto é educado.
O homem inventou de discriminá-la. Em nome do futebol.
Para honrar a saída com os amigos. Para proteger suas manias.
Diz que não quer uma mulher o perseguindo. Que procura uma figura submissa
e controlada que não pegue no seu pé.
Eu quero. Quero uma mulher segurando meus dois pés.
Segurar os dois pés é carregar no colo.
Porque amar não é um vexame.
Escândalo mesmo é a indiferença.

Fabricio Carpinejar



"Não investigue agora as respostas que lhe podem ser dadas, porque não poderias vivê-las. E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas".


Rainer Maria Rilke

sábado, setembro 18, 2010

Uma Linda História de Amor e Cumplicidade!!!

Uma História de Amor! Carl e Ellie, Filme UP Disney/Pixar

Carl e Ellie - Infância, se conhecendo ! - 3min




Carl e Ellie - Vida de Casados ! - 4min




Carl SEM a Ellie - Começando uma Nova Aventura - 3min





"Muitas pessoas estão incrustadas com uma série de hábitos, costumes, fazendo sobre eles mesmos julgamentos que as deixam infelizes. Sofrem porque querem e não buscam mudar.

Estas pessoas estão como mortas, no sentido que não podem quebrar as amarras de suas preocupações, aborrecimentos, costumes arraigados e permanecem frequentemente vítimas dos juízos que temos sobre eles. A partir daí, é bem evidente que sejam, por exemplo, covardes, indolentes ou maldosos.

Se começarem a ser indolentes ou covardes, nada vai mudar o fato de serem assim. É por isso que estão mortos; é uma maneira de dizer que um morto-vivo está cercado, completamente envolvido pela inquietação perpétua dos julgamentos e das ações que não querem mudar.

De sorte que, em verdade, como estamos vivos, quis demonstrar [...] a importância de modificar os atos por outros atos.

Qualquer que seja o círculo do inferno em que vivemos, penso que somos livres para quebrá-lo. E se as pessoas não o quebram, ainda assim permanecem livres e se colocam livremente no inferno."

(Jean-Paul Sartre)

Amo o teu túmido candor de astro



Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade sempre altiva

Por ti eu sou a leve segurança
de um peito que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata

Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar

Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto.

in «O Teu Rosto», 1994
António Ramos Rosa

sexta-feira, setembro 17, 2010



Em tuas veias de rosa
de cândida maturidade
quero derramar o meu encanto
quero fluir no meu outono
Na tua nudez de piscina
dourada e marinha
com minúsculas sombras de melancolia
beberei a tua noite azul
e repousarei a salgada dolência
na firmeza macia dos teus róseos músculos
já não serei o fumo de uma sombra
mas um sopro de estrelas
desfalecendo no moroso júbilo
da minha sombra inteiramente aberta
cheia da nítida substância de um páramo terrestre
em dois vasos num só vaso de lucidez ardente




in «Meditações Metapoéticas», António Ramos Rosa
e Robert Bréchon, Ed. Caminho, 2003

quinta-feira, setembro 16, 2010

Travessuras / Oswaldo Montenegro

Eu insisto em cantar
Diferente do que ouvi
Seja como for recomeçar
Nada há, mais há de vir
Me disseram que sonhar
Era ingênuo, e daí?
Nossa geração não quer sonhar
Pois que sonhe a que há de vir
Eu preciso é te provar
Que ainda sou o mesmo menino
Que não dorme a planejar travessuras
E fez do som da tua risada um hino

segunda-feira, setembro 13, 2010


envolver-me na mais obscura solidão das searas e gemer
amassar com os dentes uma morte íntima
durante a sonolência balbuciente das papoulas prolongar
a vida deste verão até ao mais próximo verão
para que os corpos tenham tempo de amadurecer

colher em teu sexo o sumo espesso
e no calor molhado da noite seduzir as luas
o riso dos jovens pastores desprevenidos... as bocas
do gado triturando o restolho... as correrias inesperadas
das aves rasteiras

e crescerei das fecundas terras ou da morte
que sufoca o cio da boca
subirei com a fala ao cimo de teu corpo ausente
transmitir-lhe-ei o opiácio amor das estações quentes
Al Berto
foto da net

sábado, setembro 11, 2010

Cupido



Cupido
Claudio Lins

Eu vi quando você me viu, seus olhos pousaram nos meus num
arrepio sutil
Eu vi, pois é, eu reparei, você me tirou pra dançar sem nunca
sair do lugar
Sem botar os pés no chão, sem música pra acompanhar
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se
perdeu
Eu vi quando você me viu, seus olhos buscaram nos meus o mesmo
pecado febril
Eu vi, pois é, eu reparei, você me tirou todo o ar pra que eu
pudesse respirar
Eu sei que ninguém percebeu, foi só você e eu
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se
perdeu
Foi só por um segundo, todo o tempo do mundo, e o mundo todo se
perdeu
Ficou só você e eu
(Quando você me viu)

sexta-feira, setembro 10, 2010


...“Faz amor comigo” e deixa-me correr à tua volta, deitar-me no teu colo profundo feito com as tuas lágrimas e lembranças de outros dias. “Faz amor comigo” e desperta os meus sentidos escondidos na minha alma assustada pelo brilho desta lua que é mais tua do que minha. “Faz amor comigo” e dá-me de volta a essência do que sou, perdida numa tarde de amor debaixo das luzes verdes e transparentes de uma floresta de beira de estrada, suja e perfeita de tanto pó....

Estela Ribeiro

quinta-feira, setembro 09, 2010

Feminina




Não lavei os seios
pois tinham o calor
da tua mão.

Não lavei as mãos pois tinham os sons
do teu corpo.

Não lavei o corpo pois tinha os rastros
dos teus gestos; tinha também, o meu corpo,
a sagrada profanação do teu olhar
que não lavei.

Nem aqueles lençóis, não os lavei,
nem os espelhos, que continuam
onde sempre estiveram: porque eles nos viram
cúmplices, e a paixão, no paraíso,
parece que era.

Lavei, sim, lavei e perfumei
a alma, em jasmim, que é tua, só tua,
para te esperar como se nunca tivesses ido
a nenhum lugar: donde apaguei
todas as ausências que apaguei
ao teu olhar.


Soares Feitosa

quarta-feira, setembro 08, 2010




estamos quase no tempo do vinho maduro
soube-o pelo aroma que se desprende do teu sexo
intenso mel transportado pelas fulvas abelhas
oferenda de verão árduo... cal secreta
onde garajutámos corações a canivete noite dentro

embriago-me com vinho macio...sentado na desolação
duma esplanada mal iluminada debaixo dos pinheiros
o orvalho humedece o caderno em cima da mesa o lápis
a caneta um refrigerante intragável ... tua ausência
pressentida na fresca seda dos caracóis

e mais além além, um valado de soturnas açucenas
uma árvore seca pássaros e canaviais...caminho
por onde nunca me aventurei

Al Berto
LIVRO SEXTO - in Doze Moradas de Silêncio», 1978/79
Foto da net

O Essencial



"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.

Tenho muito mais passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.

‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa…

Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade,

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,

O essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!"

(Mario de Andrade)

segunda-feira, setembro 06, 2010

Lispector


Como esquecer um grande amor / Anna Bárbara de Sá

Nestes novos tempos, em que as
famílias se diminuem e que a
saudade tornou-se regra, virou moda o medo da solidão.
De qualquer solidão.
Ninguém mais quer estar sozinho,
sempre transferindo a mágica
porção da felicidade ao outro.
Por vezes estive só, mesmo que
acompanhada.
Não foi nada além de boas tardes.
E hoje, neste instante, em que não
sinto nada passional, tenho a
ligeira impressão de que reconheço
a integridade. A minha integridade.
Esqueçam essa tal dor de amor que
lhes arrebata o peito.
Vou-lhes contar um segredo, vocês
não precisam de ninguém,
ninguém nasce ao meio.
Uma dica: parem de procurar pela
ilusória metade perdida, e se olhem
no espelho.

quinta-feira, setembro 02, 2010


"...Eu só lhe peço que não faça como gente vulgar
E não me volte a cara quando passa por si
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor
Fiquemos um perante o outro
Como dois conhecidos desde a infância
Que se amaram um pouco quando meninos
Embora na vida adulta sigam outras afeições
Conserva-nos, caminho da alma, a memória de seu amor antigo e inútil"